e.m.

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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

só pensamentos 1

31 d janeiro


 Escrever para que ninguém leia é um mau sinal... E quando ocorre, sei que pouco mais posso resistir à angústia que me consome.
 Sei perfeitamente de pelo menos “uma centena” de saídas para meus mais incômodos problemas, que, embora pequenos, são muitos... Mas com uma alma caprichosa e sensível como a minha, “sair” só se apresenta enquanto opção possível quando sei, e sinto um “sentido valoroso” para tal...
 Dormir... Fechar olhos e escorrer suavemente para os campos macios, verdes e brilhantes de Taar... Deslizar com o vento, deitando devagar as flores brancas... Seguir moldando ondas e ondas na grama fina e leve... Tudo o que eu mais gostaria era não ser nada, e ainda assim estar em tudo. Provar de tudo e nunca ser saciado, posto que nada retivesse em mim desse “tudo”...
 Sinto que o único motivo de não me alcançar o desespero, seja ele não poder me achar... Beber de minhas sombras fez-me como os sapos, imunes as mais terríveis serpentes...
  Já não sei o que faço... Minha vontade esmorece fraca e mal nutrida de paixão...
  Não sei o que se passa pelas profundas cavernas de minha consciência... Nem entendo o porquê de sua desilusão... Que pouco prático essa decepção pelo que se quer urgentemente...

sexta-feira, 4 de novembro de 2011


   Se sou romântico? O que acho do amor? Uma vez escrevi uma poesia sobre isso, onde justamente, dizia que o amor é uma injusta mentira:

Confissões


Antes escolha fosse, o ansiar caminhos incertos,
Extrair desejos partidos,
Dos profanos traços que me sangra a alma.

Pelo muito que pesam as augúrias,
Dos não direitos de minhas escolhas,
Se esvaem em pó as venturas,
Dos prazeres de minha dignidade.

De todas as vis mentiras,
Dos legados de humanidade,
Apenas uma abomina,
O berço de minhas verdades.

Jamais seria a graça,
Do amor justa moeda,
Pois no encanto não ha justiça,
Nem razão que se apiede.

E se alguém busca descanso,
Nos alentos da verdade,
Que não busque na mentira do amor,
Triste e impura vaidade.

( H.T.)

   Não consigo beber pouco da vida...E tenho pagado caro por isso,Julieta.Depois de pensar dessa maneira,vivi ainda alguns amores profundos e que me ensinaram e deram muito,mas roubaram anos de minha saúde e juventudes.Pois assim como, por ludibriarem a realidade,diz-se que os grandes magos sangram e sofrem...Os que muito amam,pagam com seu sangue e vidas, pelo privilégio de um breve vislumbre do sentido de viver.De certa forma, o amor é uma mentira sim.Não em si,mas sim no que esperamos que ele seja.E como sempre, e sempre; enxergaremos o mundo a partir de nossos olhos, e de nossas paixões,o amor será sempre perigoso...A transfiguração plena de um sutíl enganador....Eu seria no mínimo incoerente comigo, se te dissesse que não acredito em uma força que me deu e tirou tanto...Mas o amor dos homens “é um deus pagão”que mata,ou da magnificos poderes, de acordo com seus caprichos mais efêmeros...
   Mas não pense com isso, que imagino ser “o amor”, mais mal do que bem...Estou apenas tentando ser justo, com o que acredito que deve ser o tempo de descobrir...Como assim?Não preciso te dizer que o amor é maravilhoso,que vale quase todos os sacrifícios...Isso não se explica,porque só é minimamente aceitável falar essas “bobagens” quando se esta imerso...O silêncio dos olhares fala por si...E essa é toda a sabedoria que alguém pode ter acerca do amor.Se, seria muito bom se desse,ou se der certo?É claro.
   Estou cansado Julieta...Sufocado por minhas descobertas “terríveis”... Meus olhos estão pesados, minha disposição, alquebrada e triste. Resisto. Nada que minha alma angustiada não tivesse tido que enfrentar antes.
   Pasmo pelo desajuste de meu coração, que erradio, tem me impelido às menos prováveis esperanças, e aos mais profundos abismos.
   Penso que devo ter algo de ímpar, cismo que sou único. Pois tão grande é, em mim, o caos, que só vejo sendo esse, o justo consolo.
   Ainda assim, jamais trocaria o “poder” e a segurança das cicatrizes que tenho hoje, nem pela mais doce e pura, ignorância...
   No entanto, não se iluda, pois, por mais sensivelmente “doce”, que possa parecer meu texto, como diz meu caríssimo Mario Quintana:

   “Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E minha poesia é um vicio triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar...”·.

   Não sei se tenho hoje em mim, mais do que o canto de uma sereia... Enfim... Em todo caso, Kafka não diz que, em seu silêncio, as “sereias” possuem uma arma ainda mais terrível do que em seu canto?Então.Por via das dúvidas,vez ou outra,prefiro escrever bobagens como essas...Quem sabe te diverti um pouco?
  










quarta-feira, 27 de abril de 2011

"Esse caminho tem coração?"

Olá meus caros,


   Nesses últimos dias me decepcionei com um autor que eu vinha lendo já há algum tempo.
   Estudar a obra do antropólogo mais “detestado e execrado de todos os tempos”, exige de você uma certa capacidade de, inicialmente, ignorar toda a miríade de críticas e esculhambações dirigidas a ele.Coisa que fiz, e não me arrependo.
   Logo em meu contato inicial com Carlos Castaneda, apaixonei-me por seu “informante”, um velho índio “xamã” chamado Don Juan Mateus.
   Nunca tive muita simpatia pelo autor em si. Sempre o achei (a partir de como se mostra participando em suas entrevistas) fraco, hesitante, racional e até colérico.
   D. Juan, por outro lado, é de uma sabedoria sem igual.Alguém que dificilmente poderia ser "concebido" por uma mente tão refém de métodos e formas...Enfim...
   Assisti a um documentário da BBC que supostamente “desmascara” Castaneda, apresentando varias evidências de que ele seria uma farsa.
   Sabe quando você vê e sente que tem algo de verdadeiro naquilo. Pois então, essa é a razão de meu desapontamento. Não a pura verdade na crítica, nem a pura verdade na “obra”, mas sim o sentimento de que, tanto na crítica, como na obra, existem partes de verdade.
   Prefiro acreditar que D. Juan existiu, mas a estranheza e a beleza do que ele tinha para ensinar a Castaneda foram tão grandes que ele não as suportou e enlouqueceu. Coisa que se deu de forma plena depois da morte de D.Juan, seu informante e mestre.
   Em seu livro “Viagem a Ixtlan” Castaneda reproduz o relato mais belo que já vi em minha vida sobre a transformação infringida no indivíduo pelo conhecimento. Na impossibilidade de louvar de forma justa tal passagem, vou reproduzir parte dela:

  “...
O que aconteceu quando agarrou seu aliado, Dom Genaro? — perguntei.

— Foi um choque violento — disse Dom Genaro, depois de hesitar um momento. Ele parecia estar concatenando seus pensamentos.

“Nunca imaginei que fosse assim — continuou, — Era uma coisa, uma coisa, uma coisa... como nada que eu possa dizer. Depois que o agarrei, começamos a girar. O aliado me fez girar, mas eu não o larguei. Rodopiamos pelo ar com tanta força que eu nem via mais nada. Tudo estava nublado. O rodopio continuou por muito tempo. De repente, senti que estava de pé no chão outra vez. Olhei para mim. O aliado não me matara. Eu estava inteiro, Eu era eu! Então, vi que obtivera êxito. Afinal, eu tinha um aliado, Pulei para cima e para baixo de prazer. Que sensação! Que sensação foi aquela!”.

"Depois, olhei em volta, para ver onde me encontrava. O lugar me era desconhecido. Achei que o aliado devia ter-me carregado pelo ar e me atirado em algum lugar muito longe de onde começamos a rodopiar. Orientei-me. Achei que minha casa devia estar para leste, por isso comecei a caminhar naquela direção. Ainda era cedo. O encontro com o aliado não tinha durado muito tempo. Logo encontrei uma trilha e então vi um grupo de homens e mulheres vindo em minha direção. Eram índios. Achei que eram índios mazatecas. Rodearam-me e perguntaram para onde eu ia "Vou para Ixtlan", disse eu. "Está perdido?" perguntou alguém. "Estou", respondi. "Por quê?", indagou o mesmo índio. "Porque Ixtlan não fica nessa direção. Ixtlan fica na direção oposta. Nós também vamos para lá", disse outra pessoa. "Venha conosco!", disseram todos. "Temos comida!"

Dom Genaro parou de falar e olhou para mim como se estivesse esperando que eu fizesse uma pergunta.

— E então, o que aconteceu? — perguntei. — Foi com eles?

— Não fui, não — respondeu. — Porque eles não eram reais. Vi logo, no minuto em que chegaram perto de mim. Havia alguma coisa em suas vozes, em sua simpatia, que os denunciou, especialmente quando me convidaram para ir com eles. Por isso, eu fugi. Eles me chamaram e pediram que eu voltasse. Os chamados deles me tentavam, mas continuei fugindo.

— Quem eram? — perguntei.

— Gente — respondeu Dom Genaro, numa voz cortante. — Só que não eram reais.

— Eram como aparições — explicou Dom Juan. — Como fantasmas.

— Depois de caminhar um pouco — continuou Dom Genaro — fiquei mais confiante. Eu sabia que Ixtlan ficava na direção em que eu ia. E então vi dois homens descendo a trilha em minha direção. Eles também pareciam índios mazatecas. Tinham um burro carregado de lenha. Passaram por mim e murmuraram "Boa tarde. " "Boa tarde!", respondi, e segui andando. Eles não me deram atenção e continuaram seu caminho. Diminuí a marcha e me virei com naturalidade para olhar para eles. Estavam-se afastando, sem se preocupar comigo. Pareciam reais, Corri atrás deles e gritei: "Esperem! Esperem!" Eles seguraram o burro e ficaram um de cada lado do animal, como se estivessem protegendo sua carga. "Estou perdido nestas montanhas", disse-lhes. "Para onde fica Ixtlan?" Eles apontaram na direção em que iam. "Você está muito longe", falou um deles. "Fica do outro lado dessas montanhas. Vai levar uns quatro ou cinco dias para chegar lá. " Neste momento, eles se viraram e continuaram a andar. Achei que eram índios de verdade e pedi que me deixassem ir com eles,

"Caminhamos juntos um pouco e depois um deles, pegou seu farnel de comida e me ofereceu um pouco. Eu fiquei gelado. Havia alguma coisa terrivelmente estranha na maneira de ele me oferecer a comida. Meu corpo assustou-se, de modo que dei um salto para trás e comecei a fugir correndo. Ambos disseram que eu ia morrer nas montanhas se não fosse com eles e tentaram persuadir-me a acompanhá-los. Seus pedidos também eram muito tentadores, mas eu fugi deles a toda pressa.
“Continuei a andar. Então, eu sabia que estava no caminho certo para Ixtlan e que aqueles fantasmas estavam querendo tentar-me para me afastar do caminho”.

Encontrei mais oito deles; devem ter visto que meu propósito era inabalável. Ficavam ao lado da estrada e me olhavam com olhos suplicantes. A maioria nem dizia nada; mas as mulheres eram mais audaciosas e me pediam. Algumas chegaram a mostrar comida c outras coisas que diziam estar vendendo, como vendedoras inocentes de beira de estrada. Não parei, nem olhei para eles.

De tardinha, cheguei a um vale que eu achei que conhecia. Por algum motivo, parecia familiar. Achei que já tinha estado ali, mas, se fosse assim, eu estava realmente ao sul de Ixtlan. Comecei a procurar marcos na paisagem para poder orientar-me direito e corrigir meu rumo, quando vi um indiozinho cuidando de umas cabras. Ele tinha talvez seus sete anos e estava vestido como eu me vestia quando era da idade dele. De fato, ele me lembrava a mim mesmo cuidando das duas cabras de meu pai.

Fiquei olhando para ele um pouco; o menino estava falando sozinho, assim como eu costumava fazer, e depois falava com as cabras. Do que eu sabia de cuidar de cabras, ele era bom naquilo. Era meticuloso e cuidadoso. Não as mimava, mas também não era malvado com elas.

Resolvi chamá-lo. Quando falei com ele em voz alta, deu um salto e fugiu para uma pedra, espiando para mim por detrás das pedras. Parecia estar pronto para fugir à toda. Gostei dele. Parecia estar com medo, mas ainda encontrou tempo para conduzir suas cabras para longe de mim.

Falei muito tempo com ele; disse que estava perdido e que não sabia o caminho para Ixtlan. Perguntei o nome do lugar em que estávamos e ele disse que era o lugar que eu pensava que fosse. Isso me deixou muito contente. Vi que não estava mais perdido e pensei no poder que meu aliado tinha, para transportar meu corpo assim tão longe num piscar de olhos.

Agradeci ao menino e comecei a me afastar. Ele saiu calmamente de seu esconderijo e conduziu suas cabras para uma trilha quase invisível. A trilha parecia levar para o vale. Chamei o menino e ele não fugiu. Caminhei para junto dele e ele pulou para dentro de uma moita, quando me aproximei demais. Elogiei-o por ser tão cauteloso e comecei a fazer mais perguntas: "Aonde leva essa trilha?", perguntei. "Lá embaixo", disse ele. "Onde você mora?" "Lá embaixo. " "Há muitas casas lá embaixo?" 'Não, só uma. " "Onde ficam as outras casas?" O menino apontou para o outro lado do vale com indiferença, como fazem os meninos da idade dele. Depois, começou a descer a trilha com suas cabras. "Espere", disse eu ao menino. "Estou muito cansado e com fome. Leve-me até onde está sua família."
 "Não tenho família", respondeu o garoto, e isso foi um choque para mim. Não sei por que, mas a voz dele me fez hesitar. O menino, vendo minha hesitação, parou e virou-se para mim. "Não há ninguém em minha casa", disse ele. "Meu tio foi embora e a mulher dele foi para os campos. Tenho muita comida. Muita. Venha comigo. "

"Eu quase fiquei triste. O menino também era um fantasma. O tom de voz e sua ansiedade o denunciaram. Os fantasmas estavam ali para me pegar mas eu não tinha medo. Eu ainda estava dormente do meu encontro com o aliado. Queria ficar zangado com o aliado ou os fantasmas, mas não conseguia zangar-me como antes e' desisti. Depois, quis ficar triste, pois gostei daquele menininho, mas não consegui. Então, desisti disso também.

"De repente, compreendi que tinha um aliado e que não havia nada que os fantasmas me pudessem fazer. Acompanhei o menino pela trilha. Outros fantasmas apareciam depressa e tentavam fazer-me cair nos precipícios, mas minha vontade era mais forte do que eles. Devem ter sentido isso, pois pararam de me atormentar. Depois de algum tempo, simplesmente se punham a meu lado; de vez em quando, algum deles saltava em meu caminho, mas eu os parava com minha vontade. E então eles deixaram de me aborrecer de todo.”

Dom Genaro calou-se e ficou quieto por muito tempo. Dom Juan olhou para mim.

— O que aconteceu depois, Dom Genaro? — perguntei.

— Continuei a andar — respondeu ele.
Parecia que ele tinha acabado a história e não havia nada que quisesse acrescentar.

Perguntei-lhe por que o fato de lhe oferecerem comida era um indício de que eram fantasmas.

Não respondeu. Sondei-o mais e perguntei se era costume entre os índios mazatecas negarem comida, ou se preocuparem muito com matéria de comida.

Respondeu que o tom da voz deles, sua ansiedade para atraí-lo e a maneira de os fantasmas falarem a respeito de comida eram os indícios; e que ele sabia disso porque seu aliado o estava ajudando. Falou que, sozinho, nunca teria notado aquelas peculiaridades.

— Aqueles fantasmas eram aliados, Dom Genaro? — perguntei.

— Não. Eram pessoas.

— Pessoas? Mas você disse que eram fantasmas.

— Disse que não eram mais reais. Depois de meu encontro com o aliado, nada mais era real.

Ficamos calados por muito tempo.
— Qual foi o resultado final dessa experiência, Dom Genaro?

— perguntei,

— Resultado final?

— Quero dizer, você chegou a Ixtlan? Os dois riram ao mesmo tempo.

— Então para você é esse o resultado final — observou Dom Juan. — Vamos dizer assim, então. Não houve resultado final na viagem de Genaro. Nunca haverá um resultado final. Genaro ainda está a caminho de Ixtlan!

Dom Genaro olhou para mim de maneira penetrante e depois virou a cabeça para olhar para longe, para o sul.

— Nunca chegarei a Ixtlan — disse ele. Sua voz era firme mas baixa, quase um murmúrio. — No entanto, em meus sentimentos... em meus sentimentos, às vezes acho que estou a apenas um passo de alcançá-la. No entanto, nunca a alcançarei. Em minha viagem, nem encontro os marcos conhecidos que costumava achar. Nada é igual.

Dom Juan e Dom Genaro se olharam. Havia algo de muito triste no olhar deles.

— Em minha viagem a Ixtlan, só encontro viajantes fantasmas — disse ele baixinho.

Fitei Dom Juan. Não tinha entendido o que Dom Genaro queria dizer.

— Todos que Genaro encontra em sua viagem a Ixtlan são apenas seres efêmeros — explicou Dom Juan, — Veja você, por exemplo. é um fantasma. Seus. sentimentos e sua ansiedade são de pessoas. é por isso que ele diz que só encontra fantasmas em sua viagem para Ixtlan.
De repente, percebi que a viagem de Dom Genaro era uma metáfora.

— Sua viagem a Ixtlan então não é real — disse eu.

— Ela é real! — exclamou Dom Genaro. — Os viajantes é que não são reais. — Apontou para Dom Juan com a cabeça e disse, com ênfase: — Este é o único que é real. O mundo só é real quando estou com este.

— Genaro lhe contou a história dele — falou Dom Juan, sorrindo — porque ontem você parou o mundo e ele acha que você também viu, mas você é tão tolo que não sabe disso. Já falei a ele que você é esquisito e que mais cedo ou mais tarde há de ver. De qualquer forma, em seu próximo encontro com o aliado, se houver uma próxima vez para você, terá de lutar com ele e domá-lo. Se sobreviver ao choque, e tenho certeza de que o fará, pois é muito forte e tem vivido como guerreiro, você se encontrará vivo numa outra terra. Então, como é natural com todos nós, a primeira coisa que você vai querer fazer é voltar para Los Angeles. Mas não há meio de voltar para Los Angeles. O que deixou lá está perdido para sempre. Então, é claro, você será um feiticeiro, mas isso não adianta; num momento como esse o importante para todos nós é o fato de que tudo o que amamos ou detestamos ou desejamos ficou para trás. E, no entanto, os sentimentos de um homem não morrem nem mudam, e o feiticeiro, começa a sua viagem de volta a casa sabendo que nunca a alcançará, sabendo que nenhum poder na terra, nem mesmo sua morte o levará ao lugar, às coisas e às pessoas que ele amou. Foi isso que Genaro lhe contou.

A explicação de Dom Juan agiu como um catalisador; todo o impacto da história de Dom Genaro, de repente, me atingiu, quando comecei a ligar a história à minha própria vida.

— E as pessoas que eu amo? — perguntei a Dom Juan. — O que lhes aconteceria?

— Seriam deixadas para trás — disse ele.

— Mas não há um meio de recuperá-las? Eu não poderia salvá-las e levá-las comigo?

— Não. Seu aliado o rodopiará, sozinho, em mundos desconhecidos.

— Mas eu poderia voltar a Los Angeles, não é? Poderia pegar um Ônibus, ou um avião, e ir lá. Los Angeles ainda estaria lá, não?

— Por certo — respondeu Dom Juan, rindo. — E Manteca e Temecula e Tucson.

— E Tecate — acrescentou Dom Genaro, muito sério.

— E Piedras Negras e Tranquitas — disse Dom Juan, sorrindo. Dom Genaro acrescentou mais nomes e Dom Juan também; e
absorveram-se em Enumerar uma série dos nomes mais cômicos e incríveis de cidades.

— Rodopiar com seu aliado há de mudar sua idéia do mundo — falou Dom Juan. — Essa idéia é tudo; e quando isso muda, o próprio mundo muda.

Lembrou-me de que uma vez eu lhe lera um poema e quis que eu o recitasse. Deu algumas palavras do poema e eu me recordei de lhe ter lido uns poemas de Juan Ramon Jimenez. Esse especial que ele citava era intitulado El Viaje Definitivo (A Viagem Definitiva). Eu o recitei.

"... e eu partirei. Mas os pássaros ficarão, cantando:
e meu jardim ficará, com sua árvore verdejante,
com seu poço d'água.
Em muitas tardes os céus serão azuis e plácidos,
e os sinos da torre repicarão,
como repicam esta tarde.
Aqueles que me amaram passarão,
e a cidade explodirá de novo cada ano.
Mas meu espírito sempre vagará nostálgico
no mesmo recanto escondido de meu jardim florido. "

— É esse o sentimento de que fala Genaro — disse Dom Juan. — Para ser feiticeiro, o homem tem de ser apaixonado. Um homem apaixonado tem bens terrenos e coisas queridas... Se nada mais, o simples caminho em que anda.
“O que Genaro lhe contou em sua história é precisamente isso. Genaro deixou sua paixão em Ixtlan: seu lar, sua gente, todas as coisas de que gostava. E agora ele vagueia em seus sentimentos; e, às vezes, como ele diz, quase alcança Ixtlan. Todos nós temos isso em comum. Para Genaro é Ixtlan; para você será Los Angeles; para mim...”.

Eu não queria que Dom Juan me contasse sobre si, Ele parou como se tivesse lido meus pensamentos, Genaro suspirou e parafraseou as primeiras linhas do poema:

— Parti. E os pássaros ficaram cantando.

Por um momento, senti uma onda de nostalgia e uma indescritível sensação de solidão nos envolvendo. Olhei para Dom Genaro e vi que, como homem apaixonado, ele devia ter tido muitos laços do coração, muitas coisas de que gostava e que deixou para trás. Tive a sensação exata de que, naquele momento, o poder de suas recordações estava a ponto de desabar e que Dom Genaro estava quase chorando.

Depressa, desviei o olhar. A paixão de Dom Genaro e sua suprema solidão fizeram-me chorar. Olhei para Dom Juan. Estava-me fitando.

— Só como guerreiro pode-se sobreviver no caminho do conhecimento — disse ele. — Pois a arte de um guerreiro é equilibrar o terror de ser homem com a maravilha de ser homem.

Olhei para os dois, um de cada vez. Seus olhos eram límpidos e calmos. Tinham evocado uma onda de nostalgia avassaladora e quando pareciam estar a ponto de explodir em lágrimas apaixonadas, dominaram a maré. Por um instante creio que vi. Vi a solidão do homem como uma onda gigantesca que se tinha congelado em minha frente, contida pelo muro invisível de uma metáfora...”

...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Serendipidades Sórdidas?



   Caros leitores (diga-se de passagem: eu)

   Acho perfeitamente justo iniciar esse blog explicando a escolha do nome.
Serendipidade é uma palavra que me agrada, tanto pela beleza de sua conformação sonora e ortográfica, quanto por sua história. Diz-se que em um reino (hoje país) conhecido anteriormente pelo nome de Serendib, atual Sri Lanka, três príncipes foram chamados ao leito onde agonizava seu pai. O Rei, sabendo de sua morte iminente, lhes disse que guardava enterrado em seu reino um grande tesouro, e tendo dito isso, morreu sem lhes dar a exata localização do mesmo. Passados alguns anos, os três príncipes haviam escavado milhares de vezes suas terras em busca do tesouro, sem nada achar.
   No entanto, ainda que nada tenham achado em sua busca, os três foram capazes de revolver o solo de tal forma que, as mais fartas colheitas de todos os reinos da região dali brotaram.
   Essa é uma boa história para explicar o surgimento da palavra “Serendipidade”, que, como imaginam,deriva de lenda desses “Três príncipes de Serendib”. Serendipidade é o encontro fortuito, o desenrolar positivo de uma situação que jazia além da esperança de controle... O que me leva ao fator “sorte” de cuja palavra “fortuna” é sinônimo, nesse caso.
  
   Ouvi uma vez um ditado que dizia: “Nunca podemos dizer o que é boa ou má sorte...”. E vejo hoje grande lucidez em pensar assim. Algo bom pode resultar de circunstancias que não controlamos... Podemos conhecer uma pessoa única em um ponto de ônibus, depois de perder o ônibus, ou fazer um bom negócio depois de perder a conclusão de outro... Mas até quando entendemos o desenrolar da teia do destino?Quem nunca teve o coração estilhaçado pela quebra das doces esperanças construídas por sobre “encontros fortuitos”. Ou não dói mais perder um amor que se achou por acaso?

   Por isso, meus caros fantasmas, o nome Serendipidades Sórdidas. Pois até mesmo as belas imagens, vistas depois de milhas no deserto, podem ser miragens... Tenho vivido muitas delas em minha vida... E só o que posso lhes dizer é que, depois de ver as miragens no deserto, o sol fica mais quente e a areia mais seca...Contudo, não pensem que o "acaso" não tráz bons ventos.Sim, tráz.Mas quem é a folha para dizer onde o vento deve deixa-la?Ou será que isso lhe preocupa...?(tudo fruto de nossos corações ansiosos, de certo)...rs

domingo, 20 de março de 2011

Só um texte...

"Se formos mudar as coisas de modo como devem ser mudadas, teremos de fazer coisas que não gostaríamos de fazer." (John Lennon)